[REPORTAGEM] Sob tensão, Amazônia se curva à linha tênue entre a preservação ambiental e a expansão agrícola

Titulo: Sob tensão, Amazônia se curva à linha tênue entre a preservação ambiental e a expansão agrícola

Autora: Marina Rosso – Corresponsal do JORNAL PAIS.

Ano: 2018

Terras indígenas e unidades de conservação localizadas no pulmão do mundo estão na mira das eleições deste domingo. A bordo de uma caminhonete robusta, Almir Narayamoga Suruí, acelerou. “Segura, tá?”, disse ele à repórter do EL PAÍS, enquanto o veículo atravessava parte da selva amazônica, rumo à Terra Indígena Sete de Setembro. É ali que mora seu povo, que lhe dá o sobrenome, a etnia Suruí Paiter. “Temos medo”, diz Almir, ao mencionar o candidato Jair Bolsonaro, que pode ser o próximo presidente do Brasil. Durante a campanha, o ultradireitista repetiu seguidas vezes que acabará com o “ativismo ambiental xiita” e com a “indústria de demarcação de terras indígenas”. As falas soam descoladas de um país que diminuiu o registro oficial de terras dos povos originais já no Governo de Dilma Rousseff, por pressão de ruralistas, e onde notícias de assassinatos de ativistas têm se multiplicado. “Suas palavras de ódio podem representar um retrocesso para nós”, sentencia.

Fronteira entre uma fazenda, à esquerda, e o Território Indígena Suruí.

                                                                         Fronteira entre uma fazenda, à esquerda, e o Território Indígena Suruí.VICTOR MORIYAMA

As aldeias da Sete de Setembro – entre os municípios de Cacoal (RO) e Rondolândia (MT), — já convivem com esses sinais de retrocessos na disputa para preservar seu território, cada vez mais cercado por invasores. Há um mês, a área foi alvo de uma operação da Polícia Federal em parceria com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) na região, deflagrada para frear exploração ilegal de madeira nas terras indígenas locais. Segundo a PF, toras de árvores nobres, como mogno e ipê, eram derrubadas das terras dos índios e cortadas em serrarias próximas às reservas indígenas dos Suruí Patier, e também da reserva Igarapé Lourdes, do povo indígena Gavião. O EL PAÍS visitou a região na última semana e encontrou serrarias no entorno das reservas funcionando a todo vapor.  A madeira roubada dali era levada a um depósito na região, que regularizava as toras com documentação falsa. A ação da polícia havia afastado os madeireiros temporariamente. Mas eles voltaram, como sempre voltam. “Eu só não achei que seria tão rápido”, lamenta Almir Suruí, em meio a imensos troncos derrubados. Muitos acampamentos ilegais sequer foram desfeitos, e o rastro de lixo e até de roupas no meio da floresta evidenciava a presença recente dos exploradores na mata.

A terra Sete de Setembro é onde o desmatamento ilegal mais cresce entre os dois Estados. De 2015 até maio deste ano, a devastação aumentou 77% na reserva, segundo estudo do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) feito em Rondônia e Mato Grosso. Além da exploração madeireira há registros de invasões e atividades ligadas ao garimpo de ouro e diamante, muito presentes na região.

“A extração de madeira vai aumentar drasticamente porque quem é pego nessa atividade é tido como trabalhador, diferentemente do tráfico. Mas tem um lucro tão alto quanto o tráfico e ainda recebe apoio político”

Embora seja crime, o assalto de terras indígenas conta com uma certa aceitação pela falta de controles. “A atividade [de exploração] é intensa, porque compensa financeiramente. O lucro é muito alto e o risco é baixo, porque os órgãos ambientais estão sucateados”, afirma uma fonte que acompanha ações de fiscalização do meio ambiente. Nos últimos cinco anos, o Orçamento do ministério do Meio Ambiente, que sustenta órgãos fiscalizadores como o Ibama e o Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade (ICMBio), diminuiu mais de 1,3 bilhão de reais, segundo levantamento da ONG Contas Abertas e a WWF-Brasil, divulgados em março deste ano.

 

Foto aérea de uma serraria à margem do Território Indígena Suruí.

Foto aérea de uma serraria à margem do Território Indígena Suruí.VICTOR MORIYAMA

Sem dinheiro para fiscalizar e punir, o quadro futuro é muito preocupante. “A extração de madeira vai aumentar drasticamente porque quem é pego nessa atividade é tido como trabalhador, diferentemente do tráfico. Mas tem um lucro tão alto quanto o tráfico e ainda recebe apoio político”, afirma a mesma fonte. Bolsonaro já desdenhou de órgãos, como o Ibama. Quando passou para o segundo turno, ele declarou suas intenções para o órgão. “Vamos acabar com a indústria de multas do Ibama”. Já prometeu também fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. Acabou recuando dizendo que está aberto a negociar.

Ainda que recue, as palavras do candidato acertam em cheio o já incerto direitos dos indígenas. Arildo Gapane Suruí teme as ameaças proferidas pelo capitão. “Com essas palavras, ele subsidia as ações de quem tem interesses sobre a Amazônia”, diz. “Os interesses vão aumentar e as ameaças também. E para qual órgão nós vamos denunciar essas ações, se ele quer acabar com o Ibama e o ICMBio?”, questiona.

Ao redor da terra dos Suruí Patier há muitas igrejas —a imensa maioria evangélicas— e pastos para o gado. Parecem reproduzir a sociedade das bancadas da bíblia e do boi no Congresso – deputados que defendem interesses religiosos e dos ruralistas, respectivamente –. A tensão na região, gerada pelos conflitos de terra, ganham força com a representatividade da bancada da bala, formando a tríplice BBB, a ala mais conservadora do Congresso. Com pouca representatividade em Brasília, os interesses de quem defende a mata são deixados de lado.

Nos últimos 30 anos, o desmatamento na Amazônia totalizou uma área equivalente à da Suécia. Somente entre agosto do ano passado e agosto deste ano, a derrubada da floresta cresceu 40%, impulsionada por invasões, caça e pesca, grilagem de terras e queimadas. O estrago só não foi maior porque raramente a derrubada massiva de árvores acontece em territórios indígenas, que pertencem por lei ao ao Governo Federal. Essas áreas costumam ser vigiadas também por órgãos de proteção ao meio ambiente e encontram na cultura nativa, baseada em plantio e caça de subsistência, uma agressão ambiental menor. Mais virgens, e ricos em minério, esses territórios são fortemente cobiçados e estão em constante risco.

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